quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"Por favor. Eu tô pedindo por favor, desligue esse rádio e me ouça. Pare de não ouvir nada e me ouça. Não batuque no volante, não pararareia nada. Pararareia. Não sabe o que é pararaeia? É ficar cantando pararara porque não sabe a letra. Você não sabe inglês, porque você tenta? Ô! Me ouça, meu escuta, presta atenção! Vou desligar o rádio e te deixar no silêncio até ver o quanto você agüenta.






Não. Não era nada importa. Deixa pra lá."

terça-feira, 28 de setembro de 2010

"Era uma gaja delícia. Poderia ter Armanis, Diors, Dolces & Gabbanas a vontade – talvez até tivesse, aparentava assim, só a vi com um sapato de salto, o esquerdo, e não sei reconhecer um Prada quando vejo, admito, mas enfim – ela poderia ter qualquer coisa. Ou até não ter. Ela poderia não ter a voz que eu imaginava, poderia não ter comida em casa, por isso tão esbelta, poderia até não ter o gosto para mulheres como eu. Como eu. Mas algo que ainda bem que ela não tinha era uma persiana boa, adorava a ver passeando sob a luz do sol, sob qualquer pretexto. Agradecia a qualquer deus que estivesse a mão no momento, o fato dela ter um gosto divertido para roupas íntimas e a vontade desleixada de deixá-las de lado, todo dia. Toda tarde."

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

PAULICÉIA CITY

-um redemoinho-


Ela deitou sua cabeça entre meu ombro
e meu pescoço
De forma que eu conseguia ver um pequeno espaço em branco
rodeado pelos seus cabelos escuros.
O cheiro dela me invadia a cada respiração.
O som suave de sua respiração embalava o que me parecia
um sono justo.
O peso leve do seu corpo servia de âncora
para que eu percebesse que a realidade
podia ser um lugar legal de se estar.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

"Um barulho. Um susto que chega antes de qualquer cheiro ou grito. Os tamancos, sapatos e todos os saltos possíveis se atropelam entre os gritos e pequenos murmúrios de reza.
- Onde está o telefone? Cadê o telefone?
As pessoas só lembravam dele em momentos assim. Telefone era um menino pouco maior que Cego Dalton, só que era quieto. E preto. Outra diferença é que ele só conseguia se lembrar de poucas coisas, mas nunca se perdia, e quando sozinho era extremamente rápido. Cego Dalton também era rápido o suficiente, mas era preguiçoso.
- Meu Deus! Telefone!
Telefone andava meio triste. Fazia favor para as pessoas e vivia daquilo que cego Dalton não queria. Mas não se importava, estava por perto e gostava de ajudar. Dentro da sua pobreza de complexidades, percebeu que gostava mais de dar recados de amor. Gostava mais de dizer as palavras apaixonadas para as pessoas e assim sorria mais. Mas as pessoas só se lembravam dele quando alguém morria.
- Telefone! Cadê você, moleque desgraçado!
Ou em tiroteio, ou em vingança de mulher, ou trapaça no jogo, enfim, em desgraças. Telefone estava cansado de ouvir e repetir desgraças. Decidiu procurar algum lugar onde as pessoas precisavam ainda dizer as outras palavras de amor.
- Da próxima vez a gente prende esse menino! Cadê o Cego Dalton?
Telefone sabia, de tanto ouvir, aprendeu, que não seria em Lucíola que ele seria feliz."

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

"Eu olho para você e me dá raiva daquele homem que comeu os melhores anos de sua vida. Não foi apenas você e a comida da sua mãe, que ele comeu ao longo dos anos. Mas justamente isto. Os anos. Os dias. As horas. Que vieram uma a uma, uma sobre a outra, encavalando assim, os momentos e os espaços que não cabiam eu, nem meu carinho. Carinho, que não é amor, nem desejo, nem frescura. Só uma vontade de cuidar. Como daquelas que temos ao ver um filhotinho de qualquer bicho. Era esse lado bicho seu: que morde para fazer carinho, que se aninha e dorme apesar do barulho, que se incomoda com fogos de artifício, que reconhece o falso pelo cheiro, que faz barulho mesmo e foda-se. Queria ver você bicho, livre. E como bicho, você se prendeu, se deu a quem o afago lhe caiu bem. E não se arrepende de nada. Confiro o brilho dos seus olhos, e vejo que você está feliz assim. Queria estar feliz por você. Mas não confio em suas decisões. Nem nos seus gostos pessoais."

terça-feira, 14 de setembro de 2010

"Ela veio com seu vestido e uma travessa com duas xícaras e um bule de chá. Algo que só tinha visto em filme: uma travessa com xícaras e um vestido com aquele corte e decote que parece segurar tão bem os seios. É um vestido que antes me daria inveja devido aos tamanhos dos meus seios. Sim, tamanhos. Eles são meios desproporcionais. Uma vez eu disse isso para ela, que sorriu o riso perfeito e respondeu que estava enganada, que era uma impressão errada, e que me faria mudar de idéia. Sobre os seios? Sobre tudo. O sorriso não me oferece nenhuma xícara, me apresenta as possibilidades de escolha e espera uma atitude minha. Acho. Desvio o olhar no momento que percebo que eu realmente não sinto inveja, sinto desejo. Não acho. Não acho mais nada, me atrapalho entre xícaras e bule, e o riso aumenta o volume e descubro que se pode ser charmosa e vulgar ao mesmo tempo quando escuto para tomar cuidado. Não vá queimar nem os dedos nem a língua. No meio da atmosfera de Melissa e Laranjeira, o calor sobe em forma de vapor e suor. E assim ela me acha. E eu me encontro. Numa neblina pouco espessa de início de sábado."

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

PAULICÉIA CITY

-onde as pessoas telefonam mas ninguém liga-


Esqueci do ônibus
Atrasei minha aula
Perdi o emprego
e mais cinco horas de vida
ouvindo um lamento choroso
no telefone.
Não consegui ter nada de volta
Nem o trabalho, nem o respeito, nem as horas
e nem ela.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

"Depois da ultima explosão, partículas de quartzo se uniram em nuvens por sobre toda a cidade. A pressão atmosférica criou colchões de ar quente, bolsões de ar frio, nuvens de quartzo e acumulo de água em suspensão. Por vezes, tudo se choca e acontece a chuva dura, gotas tão pesadas que quebram telhas, vidros e ossos. Pedras que caem flexíveis e letais. Agora é uma dessas vezes, o quartzo presente em grande quantidade, reflete a luz do sol que acaba de nascer. A cidade se ilumina em milhares de pontinhos luminosos que caem, parecem diminutas estrelas cadentes. As gotas brilham e cegam por um instante o visitante despreparado. Levanto a arma e atiro antes de chova em cima de mim. Ouço a bala ir quebrando as gotas, fazem som de cristais. Uma sinfonia em luz ao amanhecer, é a última memória que ele vai ter na vida."

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

- eu te amo, espanhola.
- Além dessa frase não ser sua, ninguém pode ser uma espanhola sem maquiagem.