terça-feira, 31 de agosto de 2010

"A pior coisa que havia nela, era ela saber que era bonita. Era desconfortável olhar para ela. Chegava a incomodar. Quando sentou diante de mim, num banco de pedra, no meio de uma praça, em plena Avenida Paulista, e me olhou. Simplesmente fiz o maior papel de palhaça. Eu olhava para ela e gaguejava, e quando tive coragem, só pude dizer o óbvio: Você é linda. Ela sorriu, abaixou os olhos e fez todo o charme que eu já conhecia. Quase cuspi dizendo que não, você é linda de verdade. Eu me lembro da boca secando enquanto eu falava bobagem após bobagem: Você é realmente a mulher mais linda do mundo. Ela levantou os olhos com uma calma e o brilho deles era a luz que eu seguiria por toda a minha vida. Ela abriu a boca pintada de batom suave e falou algo como E o quê mais? Eu não entendi. Como o quê mais? Não existe nada mais depois de você. Foi o que quis dizer. Mas não disse. Fiquei ali, gaguejando, tremendo e querendo me jogar debaixo de um ônibus. Você é fofa, me disse antes de marcar de vermelho claro minha bochecha. E saiu levando seu sorriso e toda minha estima. Eu era uma mulher marcada, vazia e que não sabia se tinha fracassado ou não. Fiquei sentada naquele banco até ligarem o chafariz. Queria que algo chorasse por mim."

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

PAULICÉIA CITY

-onde Jaci comeu Peri antes de Ceci-


Tinha as costas fortes
os olhos apertados
dores nos braços
melodia na voz
pernas perfeitas
Tinha um riso secreto
Um medo no peito
Punhos fechados
para qualquer efeito
Tinha a certeza de que não ficaria comigo para sempre
e a determinação de nunca estar errada.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

um rascunho para Fátima Mesquita

Ela abriu a cortina e a minha vontade de chorar foi maior. Mas havia algo de puro no seu sorriso, que me trouxe para perto, como para sofrer, como se fosse uma oferenda.


- Um céu de brigadeiro!
- Porque? Ele está marrom?
- Como assim? É brigadeiro porque ele está limpo, limpo, limpo. Azul lindo.
- O único brigadeiro que conheço é aquela bolinha de chocolate.
- Não boba, brigadeiro também é coisa de exercito, que nem sargento, essas coisas.
- E o que tem a ver?
- Não sei, mas você acha que ia existir uma bolinha de chocolate chamada Luiz Antônio?
- Ela podia ser casada com a bolinha de chocolate Faria Lima.
- Farinha Lima.
- Argh, uma farinha com gosto de lima.
- Melhor que um chocolate com sabor de Luiz Antonio.
- Será que eles são o bem-casado?
- E a Maria-Mole e a Carolina, elas tem um caso?
- Qual delas tem pé-de-moleque?
- Eu queria um Sonho.
- Eu te dou um sonho se você me der um beijinho!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

PAULICÉIA CITY

-aquele lugar entre o céu e a terra onde ninguém sonha-


Desliguei o telefone disfarçando o sentimento
Cumprimentei e beijei negando qualquer tristeza
Tirei nossas roupas fingindo desejo
Fechei os olhos tentando não chorar
Dormi sabendo que não seria feliz
nunca mais.
- Você parece um mousse de chocolate.
Eu achei um elogio. Aquela menina me chamando de mousse, e negão que é negão não tem frescura com chocolate. Pô, chocolate é gostoso e derrete na boca. Eu gosto de parecer assim. Eu nem falei para ela que não é “um” mousse, mas uma, não que eu fosse fêmea, mas que mousse é uma comida feminina. Mas tudo bem, magrelinha e branquinha, não tem como saber de tudo. E daí? Eu só queria levar uma mordida. Eu sorrio meu sorriso branco e puro e agradeço. Uns dois segundos depois ela fecha a cara e parece que vai vomitar, já vi ela fazendo isso antes. Acho que a idéia de comer algo não lhe caiu bem. Não cabe muita coisa no seu estômago, acho que nem a idéia de se satisfazer.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

"Uma bandeira americana do tamanho padrão para prédios demora em torno de 8,75 minutos para queimar totalmente. Mas a bandeira americana fabricada na China demora 6, 37 minutos e não queima totalmente, alguns pedaços se soltam no meio e voam chamuscados até onde o vento os leva. E ainda ficam rebarbas brancas, ou vermelhas, ou azuis em tons tostados. 6 minutos e 37 segundos. Foi o tempo necessário para você notar que eu te amava. O incêndio tinha começa no andar debaixo, perto do refeitório, acho. Ouvi um barulho e olhei para fora no instante exato que o fogo tocou na bandeira do lado de fora. Não havia mais ninguém na sala, nem no corredor. Havia uma espécie de paz ao redor. Havia medo nos seus olhos e um revolver na minha mão. Eu tentei dizer algo, mas sempre gaguejava perto de você, então evitei. A fumaça se fez notada, e o chão começou mesmo a ficar quente. Isso até era engraçado. Achei engraçado no momento e te assustei mais com meu quase riso. Tentei colocar todo meu sentimento por você no meu olhar. E acho que você entendeu tudo quando atirei. Você estava quente, e o chão ainda não incomodava quando beijei sua boca. Engoli um pouco do teu sangue e não tive nojo. Aceitaria qualquer coisa de você. Até o desprezo se você me notasse um dia. Se tivesse me notado um dia. Eu te beijo mais e espero vir as chamas, enquanto ao nosso redor, planam suavemente pequenos tecidos chineses coloridos solitários."

terça-feira, 10 de agosto de 2010

"- Por favor, não venha. Porque se eu te ver, eu não vou resistir. Vou querer te beijar, vou querer ficar presa nos seus braços, vou querer agarrar seus cabelos e me perder. Eu não posso me apaixonar por você. Eu não devo. Não é certo. Você é linda e é perfeita. Perfeita! Mas... Eu não saberia como viver com isso. Não saberia como te apresentar para meus amigos, para meus pais. Meus pais. Seria exigir muito deles. Eles já me deram tanto e tiveram tanta paciência comigo. Me deram tanto amor. Não posso recompensá-los com uma decepção. Não é justo. Você entende?
- Não.
- Foi lindo o que se passou entre a gente. Foi mágico. E eu não esperava encontrar alguém como você. Eu não quero te ver porque se você vier aqui, não vou querer que você vá embora.
- Você está escutando o que você mesma está dizendo?
- Sim. Não. Mais ou menos.
- Eu sei o quanto deve ser difícil gostar de alguém como eu...
- Não. Não é.
- É sim. Eu sei. O mundo me mostra isso todos os dias.
- Ei, eu sei como é ser olhada de lado.
- E com repugnância?
- ...
- Seus pais te amam. Eu não tive essa sorte. Mas eu não quero falar disso. Quero falar que é... uma sorte. Eu ter me apaixonado por você. Apesar de você ser... mulher. Porque...
- Eu queria que fosse também. Apesar de você... parecer mulher.
- Sei que não devia perguntar isso, mas qual o problema?
- Eu não posso me apaixonar por ninguém que tenha um pênis! É isso!
- Mas eu escondo ele na maior parte do tempo. E só uso para trabalhar.
- Isso não vai dar certo. Vamos parar por aqui.
- Você quer que eu opere?
- O quê?
- Se eu me tornar mulher. Inteira. Completa. Você ficaria comigo?
- Não tem resposta certa para isso, não é?
- Não. Não tem.
- Você entende?
- Não muito. Na verdade, não entendo não. Eu só sinto. Tchau.
- Eu acho que te amo.
- Não. Eu te amo. Tchau.
- Tchau."

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

PAULICÉIA CITY

-uma pergunta inútil-


Como algo tão simples
como uma música
uma fala de um filme
uma foto no out-door
uma fruta, um raio de sol
uma data grifada e m vermelho no calendário
Consegue gerar algo tão complexo
quanto a certeza de um amor que resiste?

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

"Me visto de lua e espero você. Abro espaço para vento. Pernas, braços, dedos. Vejo vaga-lumes e sei que não. Vejo Boi-tatá e sei que não. Vejo luz em cabeça de mula e sei que não. Sinto sereno e acho que talvez e espero. Esperença. Esperança é fé. Esperença é certeza. Calmo. Esquecendo do frio, do vento, do medo, da fome. Do humano no corpo de terra. Se Deus quisesse que fossemos mais teria usado material melhor. Simples e claro. Claro em redor de mim. Fecho os olhos e vejo luz. Começou."

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

"Correr. Basta correr. Basta queimar o oxigênio e transformar tudo isso em movimento. Energia. Basta permitir que o ar entre, que os pulmões se enchem e que o sangue corra. Eu corro e o sangue corre. Quase não encostar no chão e o coração batendo em todas as extremidades possíveis. Basta correr para não pensar. É um entre. Entre fugir e ir. Entre querer e agir. Entre voar e ficar parado. Suor é água quente que refresca. O choque do ar parado com meu corpo em movimento provoca vento. Crio vácuo e preencho espaço. Correr é estar entre o possível e o impensável. É aumentar as variáveis entre tempo e espaço. Ou diminuir. Não sei. Gastar a pele, gastar o chão. Se está usado é porque é útil. Correr do finito. Correr do prosaico. Correr dos verbos de ligação ruins. Correr em busca. Correr por algo. Correr devido ao ininterrupto medo de estar no lugar errado."

terça-feira, 3 de agosto de 2010

- O que você acha?
Eu acho que vou te prender aqui nesse quarto, para que você não saia nunca, porque você é tão linda, e eu te quero só para mim.
- Eu acho que o outro é melhor.
- O verde? Por que?
Porque ele tem um decote perfeito, porque ele demonstra sua beleza e delicadeza, porque ele me lembra o exato momento que me apaixonei por você, naquele shopping idiota, quanto te vi chorando.
- Porque ele realça os seus olhos.
- Mas daí com que sapato que eu vou?
Sapato? Mas que sapato? Seu pé é perfeito demais para ser coberto por qualquer pano, couro ou plástico. Seu pé. Seu pé estava machucado, mas não era por isso que você estava chorando. Não era por isso que você sentou naquele banco em frente a loja de vestido, e olhava para frente e não me via.
- O preto.
- Mas não é melhor eu de salto?
Eu estava de salto, e você não me via. Eu estava de tênis todos os dias na escola e você não via. Eu estava parada, na frente da vitrine da loja, esperando qualquer cliente, eu não esperava te ver, não esperava me apaixonar por você até te ver mancando, chorando, indo até a vitrine e olhar de maneira delicada para esse vestido que está na sua mão esquerda. O vestido que eu paguei metade só para você levar, e você nunca soube.
- Não se você quiser dançar.
- Sabe o que eu queria?
Eu queria te ver com este vestido, eu queria te ver feliz, eu queria te ter para mim. Eu queria te beijar. Queria te amar feito louca que eu era. Queria ser mais uma conhecida da escola. Não queria se sua amiga, não sei como chegamos nisso. Queria poder te dizer o que eu sinto. Queria que você não fosse embora quando eu dissesse isso.
- Comer feito uma esganada.
- Como é que você me conhece tão bem?
Porque eu te amo, porra!
- Sei lá.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

PAULICÉIA CITY

-onde as palavras insistem-


Não era necessário ter dito tudo aquilo.
O olhar de desprezo
o gesto de descaso
e o silêncio
já diziam tudo o que eu precisava saber.
Já deixavam claro que minha vida ia terminar
De novo.