quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Rascunho Carol



"Ela estava sorrindo. Não havia muitos motivos para isso, mas nem pensava nisso, sorria e pronto. Esticou os braços, as pernas, cheirou a própria pele, e lembrou de uma história engraçada que é particular demais para registrar aqui. Decidiu pela roupa que usar a noite começando pela lingerie, que era simples, bonita, nova e confortável. Do jeito que gostava. Não tinha o que reclamar do seu corpo, até agora ninguém nunca tinha reclamado, e sabia que não era uma roupa que ia ficar escondida a maior parte da noite que ia lhe deixar mais bonita. E também, se houver tempo e luz suficientes para analisar a calcinha e o sutiã, para que eu vou então, né? E deu uma fungadinha no fim do pensamento. Para confirmar o pensamento e dar um jeito numa coceirinha no nariz. Saiu andando até o quarto para confirmar se ia de saia ou calça. Mulher quando quer, quer. Escolheu a saia e foi para o banheiro. Lavando os cabelos começou a pensar nos motivos que a levou a aceitar o jantar, mesmo imaginando onde seria o café-da-manhã. Achou que eram motivos suficientes, e desligou o chuveiro cantando uma música que era mais velha que suas roupas. Riu de sua própria vergonha. Quando terminou a maquiagem simples, gostou do que viu. Ainda estava sorrindo. Ela era sincera e sorria quando queria. Foi atender a campainha pagando todas as luzes que ia deixando para trás. Abriu a porta e gostou do que viu. Ela sorria e pronto."

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Rascunho Dayana



"Ela piscou duas ou três vezes. Um pouco mais rápido que o normal. Precisava ficar atenta e isso não estava sendo fácil. Mordeu o lábio inferior como um tique. Sentiu o gosto do próprio batom e voltou para o devaneio. Pensou em qual serio o fim do livro que estava lendo. Cantou um treco de uma música que costumava ouvir. Imaginou que seria uma grande baterista se tivesse tempo para isso. Lembrou de uma roupa que queria comprar. Contou mentalmente o troco do ônibus para saber se dava para comprar um churros ou não. E riu porque lembrou do Chaves e do churros da Dona Florinda.
O rapaz estava falando horas, falou sobre teorias da comunicação, sobre dramaturgia contemporânea, sobre eventos gratuitos e sobre como seria vantajoso para ela, receber um beijo dele. Foi nesse momento que ela riu.
Ele imaginou que ela estava fácil.
Ela ficou pensando em como sair fora rapidinho porque começou a sentir um pouco de fome.
Ele perguntou o que ela achava disso tudo, o que mais lhe interessava.
Ela respondeu doce de leite. E lambeu os lábios.
Ele piscou duas ou três vezes. Um pouco mais lento que o normal. Precisava entender o que ela tinha respondido.
Ela já tinha dado tchau, e descido a rua, indo para o ponto.
Ele ainda não tinha percebido."

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

PAULICÉIA CITY





-mulheres que amei-

Ela sempre acreditou
que tudo que eu disse
era mentira.
E me sorria.
Eu sempre tive medo de dizer que era verdade
Medo de ver aquele sorriso
sumir.
Continuei falando verdades tão inacreditáveis quanto
Eu conheci o Papai Noel pessoalmente
ele é bêbado e triste
Eu realmente fiz a maior parte das coisas
que digo que já fiz
e
eu ainda te amo.
E ela continua sorrindo
e seu sorriso me cala a verdade.
Então, me calo.
De verdade.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Rascunho Manuela



"Ela pegou a garrafa de vidro e derrubou sobre si o que restava da água. Andou pela areia da praia arrastando os pés, para achar algo que pudesse usar como rolha. Encontrou um galho de árvore, partido em três. Terá que servir. Rasgou uma tira da barra do seu vestido e uniu o mais forte que pode os pedaços do galho. Caminhou até a beira-mar, pensando na inutilidade do seu gesto. Mas todo sentimento só faz sentido para quem o sente. Satisfeita consigo mesma, só faltava agora a mensagem. Sem muito esforço, derrubou uma lágrima dentro da garrafa. E apertou firme a rolha improvisada feita de restos de uma árvore, e pedaço de um vestido. Será necessário um remetente? Pensou em todas as histórias que viu, ouviu e imaginou, e percebeu que todas as garrafas lançadas ao mar chegavam, invariavelmente ao seu destino correto. Mas por vias da dúvidas, achou melhor beijar o rótulo. Teu nome sempre esteve em minha boca. E lançou. Por cima das ondas. Não esperou para ver sua mensagem à deriva. Estava plena de certezas. E isso bastava."

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Terças Lés



"Ela não era exatamente aquilo que as pessoas chamam de “linda”.
Ela também não fazia o tipo de menina recatada.
Bebia cerveja, ria alto, e falava bobagem.
E ficava sem graça quando ouvia um palavrão ou quando falavam de sexo por perto.
E eu ficava sem graça perto dela.
Então eu ria baixo, bebia pouco e ouvia as bobagens dela.
E ria.
Ela me fazia feliz e eu queria fazer o mesmo por ela.
Assim. Como numa música antiga do Lulu Santos.
Ela não era exatamente a pessoa que esperavam que eu me apaixonasse.
Mas, desde menina, eu vivi assim, com um certo prazer em decepcionar."

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Rascunho Julia



"Elas piscou os olhos, que eram claros demais para assimilar tanta luminosidade. Ainda mais a essa hora da manhã, ela pensaria se tivesse tempo. Ouviu um ruído que poderia ser uma turbina de avião caindo, ou algum ataque de animal selvagem, mas apesar do susto, seu cérebro era mais esperto que ela, e reconheceu o som como algo conhecido. Estava de pé, procurando algum chinelo. Arrastava as meias pelo quarto, mas isso não era um problema dela. Sua mãe gritava constantemente sobre isso. Minha mãe. Usou 20% acordados do cérebro para se lembrar que essa pessoa existia. Estava gritando. Essa informação acordou o que restava. Desceu a escada se atropelando e tropeçando em si mesma, apenas para voltar correndo, seguindo a ordem para ir se trocar logo, e sendo informada que já estavam atrasadas. Ainda estava atordoada pelo sonho. Era um sonho bom e longo. Não esperava estar atrasada, assim, logo cedo. Na verdade, ela nem sabia para o quê ela estava atrasada. Mas ela teria tempo para isso. Teria muito tempo. Um dia inteiro para desejar não ter acordado logo na hora que ia receber um beijo."

terça-feira, 6 de agosto de 2013

(coisas que eu não quero que você entenda, mas quero que você saiba)

 Você veio. Não veio de mim, mas é tão minha. Ou eu que agora sou tão seu. Ou é tudo isso e isso é nada que possa explicar toda a confusão que agora vivo. Você não vai entender, mas quando eu nasci, a gente vinha de olhos fechados. O mundo era grande demais, a luz era forte demais, tudo era demais. E vendo o mundo refletido nos seus olhos já acesos me faz pensar que talvez seja essa a função do mundo: Ser refletido em nossos olhos. Me faz querer transformar o mundo para que ele seja bonito no teu olhar. Porque você transformou o mundo em um lugar bonito para se estar. Tem uma música que você ainda não conhece que fala sobre isso de querer dar o que recebe Mas quem a escreveu eram poetas, eles talvez conseguissem te explicar o que eu não consigo agora. As coisas estavam confusas desde o primeiro momento que descobri que você vinha. Como eu disse, quando eu nasci, se nascia de olhos fechados O mundo era de um jeito, e quando eu abri os olhos, tudo estava diferente. Você chegou e pegou a mudança no meio do caminho. Mas de alguma forma tudo parece fazer sentido. Você olhou para o mundo Eu olhei para você. E tudo ficou Clara.