sexta-feira, 28 de junho de 2013



"O príncipe parecia não ouvir as piadas do pai, mal tocou na comida, e não reparara nas novas empregadinhas do palácio. Foi para seu quarto apreciar novamente o motivo de sua desolação: Um sapato. Um frágil, e delicado sapatinho de cristal. Ele dançou com a dona deste sapato, mas era um baile de máscaras, não sabia como ela era. Mas se sentia enamorado, o que fazer? Com tanta agonia, procurou o conselheiro real. Este, disse que ele poderia ir de casa em casa procurar a dona do sapatinho, ou mais fácil ainda, ir logo na casa da mulher mais linda do reino, pois nela o sapatinho serviria. Ela existe, perguntou o ansioso príncipe. Pois sim, respondeu o conselheiro. E como ela é? Negra, é claro. Pisco o experiente homem, abrindo a porta para o príncipe passar, e levando-o para a carruagem.
Em pouco tempo chegaram na casa daquela que era a mulher mais bonita do reino.
O príncipe ficou se arrumando, alinhando seu traje, enquanto o conselheiro batia na porta.
A porta abriu, e a visão foi única.
Era sábado, dia de faxina. Aquela negra, alta e elegante, estava agora com um pano torcido, amarrado na cabeça, segurando o cabelo para cima; usava uma camiseta furada e uma bermuda tão velha quanto os seus chinelos. Sim, estava de chinelos. Um de cada cor. Estava sem brincos, sem maquiagem, e o esmalte de suas unhas já não existiam.
O conselheiro olhou para o príncipe, dizendo com o olhar: “não falei que ela era linda?”
Sim, era. Desconcertantemente linda. O príncipe gaguejou um pouco antes de lhe oferecer uma almofada, onde repousava o belo sapatinho de cristal.
Minha jovem donzela, acredito realmente que vossa beleza esqueceu seu sapato no meu último baile.
A moça achou engraçado o jeito do príncipe, um jeito fofo poderia dizer, mas acho melhor ser direta.
Puxa, bonitinho. Obrigada, mas não é meu não. Eu nunca iria num baile com um salto baixo, com sua licença. E fechou a porta.
Era sábado, a comida estava no fogo, o cachorro começou a latir e a casa não se limpava sozinha."

quarta-feira, 26 de junho de 2013



"Sabe como chama isso?
Ele perguntou passando os dedos pelas pintas que ela tinha pelo corpo. Ela pensou em falar que era uma espécie de liga-pontos, que se ele ligar todos os pontinhos vai aparecer a palavra foda-se. Ela tinha o costume de sorrir para que lhe eram indiferentes, tratava bem as pessoas que não gostava, era comum isso para ela. E as pessoas que ela gostava, demonstrava publicamente sinais de indiferença. Respondia casualmente alguma pergunta, e dificilmente mantinha algum contato visual com qualquer um que lhe fizesse sorrir. Ela era estranha, admitia. Mas seus amigos, de alguma forma, sabiam que eram amigos. Conseguiam reconhecer alguma manifestação velada de carinho. E agora ela estava ali. Nua, dividindo o lençol com um pentelho que com certeza está querendo fazer alguma graça. Ela pensou em mais duas ou três respostas grossas. Uma era boa o suficiente para colocar no face mais tarde. Mas ela ficou quieta, olhando aqueles olhos e com medo de parecer idiota. Decidiu sair da cama, pegar uma calcinha nova e ir fazer um café.
Melanócitos.
Ela respondeu, mais brusca e menos fria do que gostaria. Droga. Acho que estou apaixonada. Pensou, deixando o chinelo para trás e indo correndo para a cozinha."

terça-feira, 25 de junho de 2013

Terça Lés



"Ela tirou delicadamente meus óculos, e eu querendo que ela me beijasse a boca. Ela falando sobre lágrimas que se transformaram em vidros, e eu despindo ela na minha mente. Contou de uma escritora genial que ninguém leu, e por mim, nossos seios já tinham se amassado, nossas pernas já tinham se cruzado e nosso sexo já era uma confusão só. Suspirou e disse que me achava linda e que meus olhos eram inocentes, e eu respondendo que a menina dos olhos que ela via, não era eu. Ela não entendendo nada, e eu beijando a boca dela."

segunda-feira, 24 de junho de 2013

PAULICÉIA CITY




-mulheres que amei -


Ela era linda e triste.
Ambas as coisas
O tempo todo.
Mesmo quando sorria
mesmo quando cantava e gritava
e mesmo quando acordava tarde no sábado
com o cabelo bagunçado, com resto de maquiagem
com a cara e travesseiro borrados.
mesmo com aquela pequena cicatriz
mesmo sendo situada pelos outros
em um lugar chamado
Fora do peso.
Ela era linda e triste.

quinta-feira, 20 de junho de 2013



““Se eu fosse fácil de ser entendida, eu não vinha com bula.” Ela não era capaz de se lembrar de como aquela conversa furada chegou nisso. Não saberia explicar o porque de ter perdido tempo com tudo aquilo. “Como assim”, ele perguntou com aquele sorriso “não estou ouvindo nada eu quero só é te comer”. A verdade é que ela gostava daquele sorriso, e não gostava de tudo que estava implícito naquilo, naquela situação, naquele sujeito... enfim, se ela fosse fácil de ser entendida não teria tirado da bolsa um exemplar de Moby Dick - meio velho, gasto, capa dura, texto integral – e jogado na mesa. “Tá aqui ó”, disse, respirando fundo e virando o resto da cerveja, e batendo o copo. “Se você quiser, é só ler”. Aquele sorriso sumiu. E ela imaginou todos os 14 pensamentos que poderiam estar passando na cabeça dele naqueles poucos segundos. E ela não sabia se ria disso, ou não.”

terça-feira, 18 de junho de 2013

Terça Lés



"Ela estava já uns 4, 5 metros do chão, quando pensou em perguntar se era seguro. Estava escalando numa parede fácil e realmente não parecia ser a primeira vez dela. Dois dias antes tinha me encontrado num lugar comum e puxado um assunto bobo, e disse que tinha reparado nas minhas mãos. O que tem minhas mãos? Unhas. Curtas e bem feitas. Mas eu nem passo esmalte. E ela sorriu e descobriu que eu trabalhava aqui como instrutora. Descobriu ou eu contei, não lembro de muitas coisas depois que bebo. Você me aguenta? Perguntou já há uns sete metros sem volta. Fácil, fácil, disse e sorri. Estou dizendo se seu braço me aguenta. Ela gritou fingindo medo. Eu segurava a corda de segurança que passava por um cano lá no alto e descia, sendo amarrada no oitão que eu mesma prendi no mosquete dela, depois de ter garantido que a cadeirinha estava segura. Fácil, fácil, respondi. É nesse braço que eu seguro todos os meus desejos. Eu sabia que você segurava no muque as suas paixões. Falou e foi subindo. Não, minhas paixões eu seguro nos dentes. Mas isso ela não ouviu."

quarta-feira, 12 de junho de 2013



"Foi uma coisa meio brilho, meio reflexo, foi algo que a fez piscar, deixando um pouco mais úmidos seus olhos. O ambiente estava elétrico, deixando as partículas de poeira mais agitadas, era fim de primavera, então o vento varria pólen pela cidade toda, o que fez irritar seus olhos, e a mucosa do seu nariz, fazendo com que respirasse um pouco mais forte, apenas umas duas vezes. O ar-condicionado tinha acabado de ser ligado, o choque térmico fez com os pelos dos seus braços se eriçassem, suas veias se comprimiram tornando sua pele um pouco mais branca, incluindo seus lábios. Eram reações imperceptíveis quando aconteciam separadamente uma da outra, mas tudo aconteceu no mesmo momento que ela ouvia uma desculpa esfarrapada dele sobre o fim-de-semana.
Você está chorando? Ele perguntou com a sensibilidade de um tronco petrificado.
É claro que não, seu idiota. Ela respondeu fungando tentando se livrar daquela coceira impertinente e esfregando os olhos fazendo-os ficarem mais vermelhos.
Ele sorriu. Não acreditando no que ela dizia, e entendendo tudo errado. Como sempre."

terça-feira, 11 de junho de 2013



“É um tiquinho assim”, e levantou seus dois indicadores numa distância razoável, um pouco menos de um metro, foi o que pensei. Ela me disse que, como todo mundo, separava as pessoas em blocos. Mas o seu critério era diferente, não era por tamanho, cor, possibilidade para sexo, importância financeira, contatos mercadológicos, conhecimentos em informática, nada disso. Era uma questão de distância. Eu realmente não entendia. “São dois palmos”, ela insistia, “e esse tanto” mostrando os dedos, “que fazem toda a diferença”. Eu me mantinha sorrindo, com meu copo quase cheio e quase quente, e pensando que eu devia entender o que ela estava dizendo, ou fingir pelo menos, se eu quisesse leva-la pra cama. Ela levantou as mãos abrindo bem os dedos, e depois girou uma mão me mostrando a palma de uma e as costas de outra, e uniu o polegar e o dedo mindinho, “Dois palmos” repetiu e colocou as mãos no seu tronco deixando o polegar bem no meio dos seios. “Do meu coração até minha vagina são dois palmos; é essa distancia que as pessoas tem que percorrer tanto para cima quanto para baixo”, fiquei meio bobo tentando assimilar aquilo, era uma honestidade que não estou acostumado. “E isso aqui”, mostrou novamente os dedos distantes um do outro, e depois colocou o da mão direita no mesmo lugar onde estava antes o polegar, abrindo o outro braço para o lado definindo no seu corpo aquela largura que tinha demonstrado no ar, “é a distância entre o meu coração e o meu dedo do Foda-se. É uma distância longa demais para qualquer um. Quem eu quero que se foda, quero bem longe de mim.” E onde eu estou, perguntei sem saber muito bem o que estava fazendo. “Você está bem aqui” e levantou o seu dedo médio e quase enfiando na minha cara, “na ponta da lasquinha do esmalte”. Tinha entendido o suficiente, ela não precisava ter continuado, “quero que você se foda bem longe de mim”. Levantei meu copo, e sai sorrindo. Era só o que podia fazer.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

PAULICÉIA CITY



-onde há apenas mais uma dose de conhaque-

Ela sorria naquele riso embriagado.
Bebia, me encantava,
e me contava qualquer coisa
que eu não saberia dizer
se fazia sentido ou não.
Reparei nas suas unhas
e por falta de assunto/noção/malandragem
disse que também roía as minhas.
Levantei minha mão a altura dos seus olhos
que se abriam mais do que o esperado
e perguntou com um espanto desnecessário:
Você também tem problemas?
Olhei para meu copo
e percebendo o fundo
entendi que não teria muito tempo
e que nunca teria uma boa resposta.