"O príncipe parecia não ouvir as
piadas do pai, mal tocou na comida, e não reparara nas novas empregadinhas do
palácio. Foi para seu quarto apreciar novamente o motivo de sua desolação: Um
sapato. Um frágil, e delicado sapatinho de cristal. Ele dançou com a dona deste
sapato, mas era um baile de máscaras, não sabia como ela era. Mas se sentia
enamorado, o que fazer? Com tanta agonia, procurou o conselheiro real. Este,
disse que ele poderia ir de casa em casa procurar a dona do sapatinho, ou mais fácil
ainda, ir logo na casa da mulher mais linda do reino, pois nela o sapatinho
serviria. Ela existe, perguntou o ansioso príncipe. Pois sim, respondeu o conselheiro.
E como ela é? Negra, é claro. Pisco o experiente homem, abrindo a porta para o príncipe
passar, e levando-o para a carruagem.
Em pouco tempo chegaram na casa
daquela que era a mulher mais bonita do reino.
O príncipe ficou se arrumando,
alinhando seu traje, enquanto o conselheiro batia na porta.
A porta abriu, e a visão foi única.
Era sábado, dia de faxina. Aquela
negra, alta e elegante, estava agora com um pano torcido, amarrado na cabeça,
segurando o cabelo para cima; usava uma camiseta furada e uma bermuda tão velha
quanto os seus chinelos. Sim, estava de chinelos. Um de cada cor. Estava sem
brincos, sem maquiagem, e o esmalte de suas unhas já não existiam.
O conselheiro olhou para o príncipe,
dizendo com o olhar: “não falei que ela era linda?”
Sim, era. Desconcertantemente
linda. O príncipe gaguejou um pouco antes de lhe oferecer uma almofada, onde
repousava o belo sapatinho de cristal.
Minha jovem donzela, acredito
realmente que vossa beleza esqueceu seu sapato no meu último baile.
A moça achou engraçado o jeito do
príncipe, um jeito fofo poderia dizer, mas acho melhor ser direta.
Puxa, bonitinho. Obrigada, mas não
é meu não. Eu nunca iria num baile com um salto baixo, com sua licença. E
fechou a porta.
Era sábado, a comida estava no
fogo, o cachorro começou a latir e a casa não se limpava sozinha."