quinta-feira, 31 de março de 2011

quarta-feira, 30 de março de 2011

Quando uma pessoa passa a existir? Quando ela é notada. Essa mulher na minha frente, que lê sua revista, não existia até agora. E demorou alguns segundos na verdade, para ela existir completamente, porque há poucos segundos atrás o que existiam eram seus dedos, com suas unhas meticulosamente cuidadas, e bem pintadas. Ela começou segurando a revista, depois eu percebi seus ombros, sua blusa, pescoço e seu rosto. Afastei meu campo de visão e ela passou a existir inteira para mim. Fosse eu mais ingênuo, gritaria: “Achei!”, ou reivindicaria a descoberta dela. Explico: ela me fez sentir como aquele homem que passa horas dentro de um balde de madeira, dias e dias, apenas procurando um pedaço de terra. Terra! Algo que ele via todo dia, ou melhor, nem via, porque não dava importância. E isto, esse desejo de encontrar aquilo que ele sempre teve, até não ter mais, se torna mais que sua meta, sua esperança. Seu destino. Sua vida, porque não? Eu me senti assim, quando eu a vi. Queria ter gritado: “Mulher a vista!”, mas não era só uma mulher. Como aquele homem não queria só uma terra, qualquer terra. Ela era a mulher que eu procurei por todo o oceano da minha vida. Descobri que estava remando atrás dela durante anos. Mas o problema ainda nem começou, porque até agora, só ela existe. Para eu existir, ela terá que me notar. Sem tirar os olhos dela eu revejo com minha mente minhas roupas, tento perceber se meu perfume está bom, tento ler o que está escrito na capa da revista para saber se consigo conversar com ela sobre algo, e após esses minutos de preparação ouço meu nome. Eu sou o próximo a ser atendido no consultório. Finjo que não é comigo e espero desistirem de mim. Eu não quero que ela me perceba aqui. Ninguém quer conhecer seu futuro cônjuge sabendo que ele é um doente. Aguardo um instante e saio. Fico pensando que nas minhas alternativas, e concluo que deveria ter ficado para esperar pelo nome dela. Começo a planejar algo como me jogar na frente do carro dela, para ser atropelado e ela cuidar de mim. E então eu percebo. Eu definitivamente percebo, e começo a existir! Como um completo idiota.

terça-feira, 29 de março de 2011

É bonito ver um incêndio daqui
Ele tinha acabado de gravar essa frase no seu gravador antigo com aquelas fitas cassetes pequenas, que talvez nem fabriquem mais. A cerveja esquentando na mão, o cigarro por acender, e os seus olhos quietos, não vendo a fumaça nem as labaredas. Uma mancha subia no seu campo de visão, indo em direção ao fogo. Uma mulher talvez. Ele pensou em uma mulher indo em direção as chamas, indo para qualquer lugar que não fosse em sua direção. Uma mulher que preferisse o inferno a encontrar com ele novamente.
Uma dor física ao invés de...
Apertou o pause novamente porque sabia que era uma frase ruim. A mancha sumiu, talvez fosse mesmo uma mulher, talvez tivesse entrado mesmo no incêndio, talvez realmente alguém preferisse uma dor física ao invés de...
Talvez qualquer coisa seja melhor do que ficar perto de mim.
Ele disse, gravando uma frase que se não era boa, era o suficiente para um romance.

segunda-feira, 28 de março de 2011

PAULICÉIA CITY

-onde o que faz falta é aquilo que nunca se teve-


Eu sinto falta daquela voz cantando para mim.
Eu sinto falta daquele sorriso após dizer meu nome.
Sinto falta daqueles seios perfeitos em ondulação suave
algo que nunca vi

Sinto saudades da gente brincando de dar nomes aos cachorros
Sinto saudade da gente não conversando sobre religião e agradecendo
a Deus cada um a sua maneira pelo outro do seu lado.

Sinto falta do Y no meu beijo.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O Golpe Militar aconteceu num 1° de Abril. Mas já se esperava algo terrível que mesmo que alguém dissesse, ninguém acreditaria que fosse uma brincadeira de Dia da Mentira

quinta-feira, 24 de março de 2011

- Então você se casou.
- ...
- Eu também. Não perdeu nada, não se preocupe.
- Eu não...
- O quê?
- Eu não preocupo.
- ... E como foi?
- ... Começou com uma flor. Depois vieram vários buquês. Depois de cada dente quebrado, depois das duas pernas quebradas, dois narizes quebrados, esse dedo quebrado duas vezes... depois de cada coisa assim, vinha um buquê.
- E agora?
- Sem flores.
- ...
- E o seu? Durou o quê? Três meses?
- Não... Durou um ano de muito amor, chocolate, pizza no fim da tarde, dois meses de briga pelo controle da TV, de discussão pelas contas... e de repente vieram alguns meses de dores, agonias, mentiras, sorrisos falsos, lágrimas atrás da porta, até que acabou.
- Quem foi embora?
- Ela.
- ...
- Câncer.
- ...
- Melhor assim.
- Sempre é.
- Nem sempre.
- ... Eu sei. Mas as vezes é bom mentir para gente mesmo.
- Sempre é.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Eu tinha duas dúzias de respostas prontas e fáceis para aquela pergunta, mas não para aquela mulher. Eu tinha uma biografia, um histórico escolar e um curriculum vitae prontos para sacar e acabar qualquer discussão; tinha pronto argumentos respaldados em livros e artigos científicos, tinha de antemão, visando futuros problemas e encargos, estratégias de logísticas e linhas de raciocínios aptas para me livrar de qualquer artimanha, de qualquer truque, e qualquer coisa. Eu era um homem sólido e blindado para quaisquer adversidades, sejam cognitivas, sócio-afetivas, ou motoras. Não havia alguém no mundo que pudesse algum dia me deixar sem palavras, ou sem ação, ou sem saber o que pensar. A não ser aquela mulher, e aquela pergunta.
Não sei quantas vezes pisquei os olhos ou suguei o ar pela boca seca. Mas sei que eu só conseguiria responder a verdade.
E eu disse sim.

terça-feira, 22 de março de 2011

Estava claro que aquele homem vinha para me trazer má sorte. Todos os sinais estavam evidentes. O cigarro, as botas, os fiapos da calça. O tom azulado no rosto, vindo da noite, vindo da barba. Rala, rala; que arranharia com delicadeza. O meu desejo descrito, meu futuro encarnado. Um bom pedaço de um mau caminho. Danei com o mau passo e abri o sorriso. Já sabia e tudo antes de acontecer. Já sabia do meu prazer imenso e da minha dor, e da solidão que viria em menos de oitos horas. Só gostaria que ele ficasse quieto ao invés de contar mentiras. Mas já sabia que não seria assim. Já sabia de algum objeto furtado, já sabia o que fazer para jantar, e a quantidade exata para não sobra nada para amanhã. Odeio comer sozinho. Já sabia que ele era sagitário. Eu só gostaria que sua lua pousasse sobre a minha, pelo menos por hoje.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Algumas pessoas não sabem o peso que o Japão tem na minha vida e formação. Desde os samurais da minha infância; O Jáspion e os Changeman das minhas tardes; o zen, o Teatro Noh na minha adolescência, até eu conseguir envelhecer um pouco para poder para poder entender melhor Suzumiya Haruhi e Murakami... Na verdade eu poderia escrever por horas as influências que tive/tenho. Zeami ainda é o maior nome do teatro. Junto com Kazuo Ohno.







Um francês está organizando uma coletânea de desenhos inspirados na tragédia. Me parece que as vendas serão revertidas para ajudar a população.

Pretendo divulgar alguns dos desenhos.

O original está aqui:


segunda-feira, 14 de março de 2011

PAULICÉIA CITY

-onde eu fui feliz-


Eu me lembro dela sentada na cama, sobre um lençol
perto da parede
costurando uma saia longa e rodada
com seus seios lindos
refletindo gostoso a luz do sol.
Eu me lembro de ter descoberto
que branco era a cor do amor.