quinta-feira, 15 de abril de 2010

"Primeiro eu pensava que era sonâmbulo. Acordava e via geladeira aberta, danoninho em cima da mesa, via marca de pé na parede, na tampa da privada. Não é que eu estranhei a situação, na verdade, eu olhava aquilo e sorria. Pensava que eu devia me divertir muito de noite. Curioso que isso me fazia bem até. Imaginava que mesmo com essa vida de merda que levo, meu corpo ainda sabia se divertir e exigia isso! Nem que fosse para fazer isso sozinho. Sem mim. É um pensamento engraçado, vai. Daí outro dia eu percebi uma coisa que me deixou preocupado. Algo no meu braço. Percebi no ônibus. Na verdade, eu já estava me coçando desde manhã, mas foi no ônibus que percebi que estava me coçando, deu para entender? Eu puxei a manga da camisa e vi uma camada, uma listra meio plástica, opaca, parecendo uma pele seca e dura, e fina. Como se eu estivesse descamando. Eu sabia que conhecia aquilo, mas não me lembrava. Foi então que em segundos todas as doidices que eu via de manhã, toda a bagunça que eu fazia quando durmia, me passou na cabeça de uma vez. E eu entendi tudo. Eu não era sonâmbulo. Eu tinha uma dupla personalidade. Em algum momento da noite, eu acordo como outra pessoa. E essa pessoa é um moleque. Um moleque sujo, porco e ranhento. Ranhento sim. Porque eu me lembrei o que era aquela sujeira no braço. Era catarro. Ranho. Moleque que limpa ranho no braço, que depois endurece e fica aquela merda. Merda. Agora eu tinha um maloqueiro dentro de minha casa. E eu não podia fazer nada."

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