quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

"Não custava nada tentar. Peguei o telefone e amaciei a voz do jeito que sempre faço. Perguntei aquelas coisas que se deve perguntar. E depois perguntei o que ela estava vestindo. Já ia responder o que sempre respondo quando perguntam o porquê, quando ela me disse que estava só de sutiã. Fiquei na dúvida se pensava nessa palavra engraçada, e um tanto nova, já que eu aprendi “soutiem” e não “sutiã”, ou se pensava no porquê que ela estaria usando apenas isto. Respondi o que sempre respondo quando preciso ganhar tempo, e ela já me disse que sua barriga não deixava usar nada. Disse que estava grávida, que estava quente, algo assim e que queria comer carne do porco; ou talvez tenha dito que estava suada como uma porca. Eu não conseguia mais pensar em nada. Eu falei qualquer coisa. Algo que nunca faço, falar qualquer coisa. Querendo ganhar tempo enquanto percebia que meu sangue sumia. Minha perna ficou bamba. Eu finalmente consegui dizer que ela devia estar linda. Mais linda que o costume. Essas coisas que sempre falo quando me respondem o que estão usando. Ela riu alto e perguntou se eu queria vê-la. Respondi que sim e desliguei o telefone. Depois de um segundo apaguei seu número da memória do celular. Um minuto depois risquei da agenda. Ainda estava com a boca seca e cheio de tesão quando entrei no chuveiro frio, sabendo que nunca mais veria uma mulher que não fosse gestante do mesmo jeito que antes. Nunca mais faria o que sempre fiz. As minhas palavras, meus gestos, meus olhares seriam eternamente falsos. Como sempre foram."

Nenhum comentário:

Postar um comentário