"Era complicado ser menina, e ser
mulher não tornou isso mais fácil. Isso, de “ser”. Não entendia muito bem como
era “ser” menina, não tinha recebido as instruções corretas que todas pareciam
ter recebido quando nasceram. Com certeza eu estava dormindo quando falaram,
antes de eu nascer, como deveria sorrir e concordar com as outras meninas, e
como eu deveria reagir em contato com os meninos, e qual era o jeito certo de
se comportar em relação com as meninas e com os meninos. Mas se eu estava dormindo,
deviam ter me chamado. Era importante, pô! Eu não teria passado tanto tempo
sozinha, não seria alvo de brincadeiras cruéis – se alguém acha que criança é
inocente, é porque nas horas que brincava de humilhar alguém estava na turma
dos mais fortes, mais bonitos, e dos que sabiam se portar. Minha vó dizia que um
anjo nos contava algo antes de nascer, e colocava o dedo em nossa boca e pedia
segredo... acho que meu anjo era mudo. Ou burro. Ou só um sacana que ficou
esperando eu brincar de “beijo, abraço, aperto de mão”, só para eu vomitar
quando um dos meninos pediu beijo e exigiu a minha boca. Minhas chances de
infância foram por água da pia abaixo. Eu não sei se vivi a adolescência ou se
pulei direto para uma fase chamada Limbo que os especialistas não conhecem, ou
não divulgam. Talvez seja um segredo só entre nós, os que eram vítimas das
outras crianças. Os espertos, os feios, os que tiveram que “ralar” para viver,
acredito que todos viveram na fase do Limbo algum momento da vida, e se
tornaram adultos depois de alguma conquista: uma faculdade, um amor correspondido,
sei lá. Eu me tornei adulta depois de ter vivido meu primeiro fim de
relacionamento. E se tornar adulto foi algo ruim, não importa que digam que o “importante
é que eu aprendi algo e cresci enquanto ser humano”; eu preferiria não ter
passado por isto. Eu só me tornei adulta depois de me ter tornado mulher. Ou
melhor, eu não me tornei mulher. Me fizeram. Ou me fizemos juntas, não sei, e
não importa. Mas eu só descobri todos aqueles segredos, todo o manual de como me
portar, do que rir, como se reage corretamente ao toque, e tudo isso que chamam
de vida, depois dela existir fora e dentro de mim. Talvez meu anjo, que deveria
ter me contado aquele algo secreto, também não soubesse. Anjos não tem sexo,
não poderia saber que isso é tão bom."
terça-feira, 16 de julho de 2013
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